quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Rosa-dos-ventos



“E se não resultar?”, “E se ele não gostar de mim da mesma forma que eu gosto dele?”, “E se ele me enganar?”, “E se houver outra mais interessante?”,  “E se o tempo fizer as coisas mudarem?”, “E se for eu que afinal mudo de ideias?”, “E se depois eu é que ficar com má imagem?”… E se…?
Passamos tanto tempo preocupados com o que pode acontecer, imaginando variados cenários, criando se calhar problemas onde eles não existem que nos esquecemos de viver o agora. Muitas vezes esquecemos até que grande parte dos problemas que irão surgir se deve aos problemas que colocamos agora… Se deixássemos tudo fluir, se deixássemos tudo seguir o seu curso natural… seria mais fácil. Mas não dá, não é verdade?
Colocamos todas as hipóteses e criamos todos os cenários porque sabemos que o caminho não é em linha recta. Mas verdadeiramente começo a achar que nós é que o distorcemos. O ser humano tem grandes problemas em aceitar algo que não lhe dá trabalho ou que é diferente, gosta de complicar, gosta de andar às voltas, gosta de bater com a cabeça nas paredes que ele próprio ergueu à frente do passeio liso que tinha à sua frente, gosta até de se desculpar criando estereótipos. O ser humano gosta daquilo que não tem. Gosta possivelmente até do que não vai ter. Mas com certeza gosta mais daquilo que já teve e por qualquer motivo perdeu. E o mais incrível de tudo é que cada um de nós sabe de tudo isso. Mas lá está, adoramos dar cabeçadas.
Mas ainda mais que cabeçadas, adoramos ferir a nossa própria dignidade, o nosso orgulho, os nossos valores. Somos tão cegos que nos deixamos humilhar por alguém que possivelmente não está nem aí. E depois disso? Bem, depois disso é como estar bêbedo. Como apanhar uma daquelas bebedeiras que nos dá uma semana de ressaca e duas de aversão ao álcool. Aham, been there. No entanto, pior é quando não sabemos que podemos direccionar o nosso orgulho e os nossos valores. Então direccionemos. Rumemos a algo sem pensar nas possíveis consequências, nos mais variados cenários. A vida não está para isso, nós não estamos para isso. Estamos para algo que faça sentido, que seja verdadeiro mas acima de tudo, que seja correcto. Mesmo tendo o correcto múltiplas interpretações. Não nos deixemos levar pelo que a sociedade quer. Apesar de eu defender tudo aquilo a que tenho direito como mulher, mas antes disso como pessoa, tenho noção de que por muitas crenças, valores e boas intenções que tenha, a sociedade vai ter sempre mais um estereótipo a defender, mas tentemos mudar isso. A verdade é que nós, mulheres, vamos ter muitas vezes de seguir a regra do “se fizeres isto ou aquilo acaba-se a tua reputação” porque é impossível lutar contra todos os lados, é impossível fazer frente à rosa-dos-ventos. Então, acabamos por por vezes ter que abdicar de um ou outro direito, em prol de outros tantos, ou nem que seja para sobrevivermos no meio disto tudo. Porque falar é fácil, é fácil falar mal de outra mulher quando sabemos que ela fez algo que vai contra as ideias estereotipadas e o problema é que não é fácil contrariar isso, até porque algumas vezes na situação dela faríamos o mesmo (ou não). A sociedade fez tudo tão bem, que nós próprios temos dificuldade em lutar contra nós visto que todos nós fazemos isso em alguma circunstância, embora uns mais que outros. Eu já fiz. Mais vezes do que gostaria, diga-se. E sei bem que até eu própria ganhar consciência do que se passava, eu sempre fiz. Às vezes ainda caio na tentação de fazer, mas recomponho-me.
Nós desde que nascemos julgamos os outros. Nós nascemos a julgar os outros. Podíamos ter nascido a compreender, a amar e a perdoar, não é? E nascemos. Mas tão depressa a sociedade se encarregou de nos formatar que não tivemos hipótese de dizer “não, não é isto que quero” ou “não, não é isto que quero para o meu filho”. Já quase que está intrínseco! Então resta o quê? Quebrar as regras? Que seja, quebremos então. Ganhemos consciência do que fazemos inconscientemente. Vamos formatar por cima do que foi formatado. Mais tarde ou mais cedo trará frutos, mas comecemos já. Porque… Sociedade para aqui, sociedade para ali só que esquecemos que a sociedade somos nós. Então, fechemos os olhos, inalemos fundo e digamos “esquece isso e segue”, porque a vida não espera. Por isso… 
“E se” parasses com as tuas merdas, já terias vivido mais?


 Redigido por: SusanaCMMelo





quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Mais cedo ou mais tarde.



Hoje larguei o eyeliner, o rímel, a base e o blush. Larguei os saltos, o vestido e a mala. Larguei o telemóvel e saí. Antes de sair, destranquei a porta das traseiras. Nem a chave queria. Não queria nada, só sair. Sair dali, sair de todo o lado. Queria estar sozinha, queria pensar, queria voltar a encontrar-me. Tenho-me vindo a perder com o tempo. Então saí.

Às vezes é mais fácil largar tudo e sair. Durante uma, duas, três horas, o necessário, do que ficar a bater com a cabeça em todas as paredes e a respirar o mesmo ar poluído de mágoas. Não muda uma vida, mas pode mudar um dia. Mudei o hoje e amanhã poderei mudar o amanhã, depois de amanhã mudarei o depois de amanhã e assim sucessivamente. Passo a passo. Passo a passo tendo a mudar os meus dias. Mas confesso, confesso que não reconheço a pessoa que sou, ou pelo menos ainda não me habituei a ela.

Apesar de hoje ser aquilo que sou, baseado nas minhas experiências até então, sempre tive uma imagem daquilo que não queria ser. Mas nunca pensei que o que quer que se passasse comigo me aproximasse dessa imagem que não queria para mim. Nunca fiz a mínima ideia. Mas pensando melhor, acho que acaba por ser o que tem de acontecer. Enquanto damos demasiado de nós a quem não merece nada e batemos às portas de quem não quer abrir, vamos começando a fechar nós a nossa porta e pior é que, gostamos tanto da nossa porta fechada que daí a fazer uma muralha é só um pulinho. Mas por que não?

Sinto-me bem na minha muralha, sinto que agora sim, só cá está quem realmente faz falta. Sem visitas inesperadas e estadias de 10 minutos. Entra com o aviso prévio de uma carta e a subida dos portões. E, se quer sair, rapidamente é atirado para o calabouço. Enquanto isso, vou atirando azeite quente e afins para o lado de fora das muralhas. E tem funcionado na perfeição. Afinal de contas, qual é o interesse em abrir a porta de casa e deixá-la aberta? Não, não tenho disso. Tenho todo o gosto em arranjar um tapete bonito de boas-vindas, mas só coloco o tapete já dentro de casa. Nada de tapetes à entrada do lado de fora.

Estive fora duas horas, e cheguei à conclusão de que estar solteiro e de coração partido é quase o mesmo que viver uma relação à distância. Ficas com o tempo todo para ti, e o problema é esse. Acabas por ser obrigado a redescobrir-te, a orientar-te. E tudo porque estavas habituado a que de alguma forma o teu tempo fosse dividido com alguém, com quem quer queiras, quer não, acabavas por também partilhar os teus e os seus gostos. A diferença entre o primeiro e o segundo “conceitos” é que no segundo, ainda acabas por ter lá aquela pessoa ao fim do dia, que te pergunta como foi o teu dia e que te conta sobre o dela, independentemente da distância que vos separa e do meio que utilizam para entrarem em contacto. Por sua vez, no primeiro quando chegas a casa ao final do dia, apenas podes miar de volta ao teu gato. Mas sim, quero acreditar que as duas situações têm uma certa semelhança, visto que o que passa a estar em causa é o “e agora? Que é que eu faço? Tinha uma hora disponível”. E atirem-me quantas pedras queiram… mas para mim, o facto de termos alguém que amamos na nossa vida e que está presente nela, traduz-se por acrescentar a vida à vida um do outro. Ou seja, já somos pessoas completas, temos os nossos programas, os nossos amigos, as nossas mentalidades e os nossos valores, e temos aquela pessoa. Não me venham dizer que namorar alguém é arranjar algo que me complete, porque não é. Eu sou completa, apenas vou arranjar alguém que se identifique comigo de alguma forma, seja de qual for. Ou que simplesmente, de tudo aquilo que eu sou, consiga com que eu seja o melhor de mim. Não me venham com conceitos de “caras-metades” e “almas gémeas”. Como é que se pode arranjar uma cara-metade depois de mil aprendizagens e mudanças? Certamente que por esta altura a minha cara-metade já desistiu de me procurar, porque se o destino fez de mim a sua única cara-metade e já eu estou como estou, então pobre coitado. Peço-te mil desculpas por te ter deixado de mãos a abanar então, meu querido. Por isso, sim, acho que todos nós encontramos alguém, mais cedo ou mais tarde, depois de 10 ou de 100 outros alguéns, alguém que já mudou tanto quanto nós, e que tem plena consciência de que eu, tal como ele, já sofri que me chegue para andar a distribuir estalos de livre e espontânea vontade e que por isso, se estamos nisto juntos, então é juntos mesmo, sem joguinhos, sem manhas, sem mentiras e ilusões, sem falsos sentimentos. Alguém que me ame com o que lhe resta nos cacos partidos, passando assim a redundância. Só isso e nada mais. Não peço para sempre’s e arrobas no final de cada mensagem, não peço 24h em constante contacto, não peço “mariquices” para celebrar a nossa relação de mês a mês, não peço jantares românticos em restaurantes. Peço sim alguém que saiba que não sou nenhuma princesa da Disney só por ter o cabelo quase até ao rabo, e que tenha consciência de que sim, eu vou falhar, vou falhar várias vezes até; que nem sempre vou pedir explicações mas que quando pedir quero nada mais que a verdade; que saiba que um piquenique ao domingo já é o suficiente para eu deixar todo o mal para trás das costas.

Mas… sabendo que isso não vai acontecer ou pelo menos não tão cedo pois, fazendo uma estimativa diria que apenas lá para os meus 30 anos (com sorte) é que encontro um homem da minha faixa etária (mais coisa, menos coisa), que tenha o cérebro no local correcto (se é que me faço entender) e que, por isso, queira largar as aventuras e avançar com algo sério. Ou seja, tenho cerca de 10 anos, 10 anos importantes da minha vida, para pensar bem e mentalizar-me mais que suficientemente bem  para o dia em que, daqui a 10 anos irei encontrar essa pessoa… já pensei, das duas uma: ou planeio já qual vai ser o meu vestido de noiva, ou planeio já no nome a dar ao cão ou gato que vamos ter… Ou então não, não mesmo, chega de tretas. Com todo este discurso acho que tenho que ir dar outra volta, e esta tem que ser de umas 4 horas. Talvez vá sim… agora que o sol já se pôs, a temperatura já baixou, mas dentro de casa continua um calor infernal. Talvez tenha falta de açúcar, mas antes a falta de açúcar que o açúcar a mais, não é verdade? Chamem-me louca.




Redigido por: SusanaCMMelo











domingo, 7 de setembro de 2014

Por favor




Já passaram 4 dias desde que fizemos anos e eu não consigo deixar de pensar na tua voz ao telefone. Foram poucos os aniversários que passámos juntos, mas gravo esses poucos bem no meu coração. Reza a lenda que quando eu estava na barriga da minha mãe tu disseste que eu iria nascer no teu dia, e assim foi. Tenho orgulho de poder ter tido a oportunidade de me ensinares a ser parte de quem sou. Tenho orgulho de poder dizer “foi ele, foi ele que me pôs a escrever o abecedário e a fazer frases soltas em mais de 5 cadernos de linhas estreitas para eu aprender a ter uma letra bonita”; tenho orgulho de poder dizer “foi ele, foi ele que me fez saber a tabuada de cor e salteado, de forma que até a podia cantar”; tenho orgulho de poder dizer “foi ele, foi ele que me fez saber todos os reis de Portugal, os seus cognomes, as suas datas e os seus feitos”; tenho orgulho de poder dizer “foi ele, foi ele que muitas vezes me ensinou a ser desenrascada”; tenho orgulho de poder dizer “foi ele, foi ele que me melgou tanto que passei a ser assim respondona” e mais tantas outras coisas. Nunca conseguiria lembrar-me de todas elas porque foram imensas. Lembro-me das mil e uma maravilhosas histórias que sempre me contaste, a quantidade de vezes que eu achei que não eram verdade de tão incríveis que eram. Nunca me hei-de esquecer da emoção com que as contavas… desde a história da tua linda professora da primária que tinha um feitio duro (a Dona Branca que dava reguadas nas mãos) até às tuas histórias como Marinheiro, passando por aquelas em que falavas da tua ida para uma espécie de escola interna, onde passaste do nada ao tudo; ou dos tempos em que eras o melhor da tua classe, da altura em que conseguiste ter um 20 com um professor que só dava catorzes “porque sim”, e quando viu o teu teste quis-te fazer perguntas orais para realmente ver se não tinhas copiado e pronto, lá foi ele obrigado a dar-te o 20 porque tu tinhas estudado t-u-d-o e sabias tudo na ponta da língua; ou dos tempos em que foste enfermeiro e que todos os marujos e afins gostavam de ti; ou de seres tão convencido que dizias que “todos os cães te adoram” e de contares histórias em que os cães iam ter contigo a pedir-te comida, festas e ajuda… enfim, lembro-me do “bom falante” que sempre foste, gostavas de meter conversa com toda a gente e contar toda a tua vida em meia hora, sempre com aquele teu sorriso engraçadinho e o teu andar confiante. Tenho saudades disso, avô. Custa ver as mudanças e ter noção delas, mas custa ainda mais não poder fazer nada. Apesar de alguns teus hábitos continuarem os mesmos, vão-se atrasando. Enquanto outros já se vão perdendo. Já não te levantas às 9h da manhã para ires à cozinha beber o teu copo de água cheio, que acreditavas fazer uma limpeza ao sistema. Já não fazes aquele docinho sumo de laranja pela manhã. Já não comes os teus cereais. Já não aqueces o teu leite. Já te esqueces de tomar os teus comprimidos. Já nem pões os teus comprimidos. Já não cuidas do jardim, não regas as plantas e não lavas a varanda. Já não usas o chapéu à cowboy. Já não lês o jornal, nem sequer A Bola. Já quase sequer não lês. Já não arrumas os teus papéis do escritório. Já não lês os teus livros sobre as monarquias e tudo o mais. Já não apontas tudo nos teus cadernos grossos de capa preta com tinta da china. Já não sabes onde metes os óculos. Já só estupidificas à frente do teu plasma de quê.. 2 metros. Já não sabes onde metes o comando e culpas toda a gente. Já não fazes as tuas contas. Já não controlas as portas todas e escondes todas as chaves. Já não tens preferência quanto à camisa que queres vestir ou quanto à camisola de interior que tem um buraquinho feito por uma traça. Já não engraxas os sapatos. Já não apertas o cinto. Já não apertas os botões. Já não metes o boné. Já não tens força nem invenções para descalçar as botas. Já não transportas as chaves de casa contigo quando vais à rua. Já não tens aquela opinião crítica quanto a tudo, avô. Essa opinião crítica que toda a gente odiava estar sempre a ouvir porque no fundo ninguém gosta de ter alguém por perto sempre a reclamar de tudo, mas com um fundamento racional. Agora apenas reclamas que te roubaram o comando da televisão, ou que te roubaram a bengala. Onde te perdeste, avô? Por favor, reencontra-te. Quero ouvir mais histórias, saber mais coisas, passar mais tempo contigo. Quero ouvir histórias sobre quando vias a Amália Rodrigues nas ruas de Lisboa, quero ouvir sobre a vida na antiga Rodésia! Mas cada vez é mais complicado… Já te faltam muito as palavras, falta muito a capacidade de manter um diálogo. Perdes-te, baralhas-te, esqueces-te dos nomes das coisas e das pessoas. Onde estás, avô? Onde está aquela mente brilhante que conheci? Aquele homem responsável e organizado, com uma enorme sede constante de cultura e de socialização. Onde? Por outro lado posso dizer que ainda continuas a descarregar o sal na comida e o açúcar no leite. Posso dizer que, continuas a usar o Johnson’s baby como champô porque acreditas piamente que é o único champô que não te danifica o cabelo… todo o resto são químicos estúpidos e inúteis que vulnerabilizam o cabelo. Posso dizer que, continuas com uma pancada louca por bolos de arroz. E que, para ti continua tudo mal feito quando é feito pelos outros. Não te deixes perder mais, avô. Eu sei que sou fria, muitas vezes inflexível e também impaciente mas confia que te amo, vô. A ti e à avó. A avó que sempre foi uma mulher calada mas inteligente, que quando abria a boca falava coisa séria e acertada. Poucas vezes a vi sorrir, mas posso garantir que ainda hoje tem um dos sorrisos mais bonitos que já vi. Como ela nunca foi de grandes conversas limito-me a saber que foi uma excelente costureira, que é da Beira e que tem uma alma pura. Também ela se perdeu, já há alguns anos. E eu lamento, lamento que seja assim. Magoa-me de toda a vez que vocês me perguntam a mesma coisa com intervalos de 2 minutos, porque assim a doença o exige. Magoa-me que haja dias em que eu tenha que dizer “não, avó, eu sou sua neta”. Mas o que se pode fazer? Não se pode ensinar, não se pode mudar, não se pode nada. Apenas se pode aceitar, respeitar e ajudar, sempre com o maior carinho e amor possíveis. Amo-te vô, amo-te vó e arde-me, dói-me, pica-me, tortura-me ver-vos assim. Se eu pudesse voltava aos dias em que dormia lá em casa no teu escritório, avô. Naquele sofá-cama onde a avó me dava as boas noites e me contava a história do gato maltês, que acabava com um “quer que lhe conte outra vez?” e eu dizia sempre “sim”, e ela voltava ao início da história todas as vezes. Quando eu me fartava, ela ajeitava-me o lençol e o cobertor, diminuía a intensidade da luz do candeeiro e saía. Dias esses em que eu não chegava à mesa da cozinha e não assentava por 5 minutos o rabo na cadeira, então íamos lá para fora para eu comer e ao mesmo tempo poder andar aos saltos, a imitar todo o tipo de animais. Dava uma volta com a papa na boca enquanto imitava um animal e quando voltasse tinha de ter a boca vazia para voltar a ser enchida com papa. E eu fazia disso a maior diversão do mundo, sempre com a avó mais paciente e preocupada do mundo. Tantos anos que passei lá em casa, tantos anos que vos tive a cuidar de mim… Tantos anos guardados em memórias. Que é feito de vocês? Que é feito de nós? Não sei que faça. Penso várias vezes na situação em que vocês estão e aflijo-me porque não quero tempo desperdiçado, não quero sentir que perdi tempo ou que não fiz por vocês o suficiente. Custa ver, avô, custa ver que a tua situação se degradou depois da da avó mas de forma mais rápida e pior. Custa dar-te um “parabéns” e em troca ouvir um balbucio qualquer, e até mesmo um “parabéns pelo quê? Não fiz nada…”, custa ouvir que quando outras pessoas que não eu, te dão os parabéns tu digas “para vocês também”. O nosso corpo com a idade trai-nos e por isso perdoa-me se ponho a culpa em ti. Ou em vocês os dois, avô e avó. Apesar de tudo fico contente quando se lembram de me chatear e se põem com perguntas como “então, quantos namorados é que tens?” e “já reparaste que a tua irmã está maior que tu?”. São perguntas que vocês sabem que me vão chatear mas eu fico contente porque ao fazerem-nas significa que naquele momento, o vosso estado permite-vos ter a consciência de “vou chatear a Susana”. Por isso, façam-nas, tirem-me do sério se isso por uns momentos vos traz a lucidez de volta. Não se percam mais, por favor. E mandem o alzheimer lixar-se.


Peço desculpa pelos tu’s e vocês’s aqui usados. Se alguma vez este texto chegasse aos vossos olhos, queiram saber que continuo a manter a 3ª pessoa do singular e do plural para convosco, que foi completamente algo “off the record” que decidi publicar, mas o respeito continua o mesmo.



Redigido por: SusanaCMMelo



domingo, 10 de agosto de 2014

Mariana


E é quando queremos dizer tudo que acabamos por não dizer nada. É quando temos tanto dentro de nós que ao querermos dizer tudo não sai nada. Como se não houvesse palavras no mundo suficientes para tudo aquilo que sentimos. Como se naquele momento as palavras se evaporassem e ficasse somente a intenção. A intenção de algo. Algo que não sabemos o quê. Imaginamo-nos tantas vezes a dizer tudo aquilo que queremos como se fosse fácil, como se fosse chegar e debitar com a facilidade com que debitamos o abecedário. Mas não é. Às vezes faltam as palavras. Falta a saliva. A coragem. Como se no momento parasse tudo. Ficamos com o coração nas mãos. Sem quase saber respirar. Não sai nada. Sentes-te no vácuo e sentes o vácuo em ti. Dum momento para o outro a vida ri-se de ti. E goza, goza até te faltarem as forças. Goza para te fragilizar. Vês-te sem forças, sem qualquer rede a amparar-te a queda. Vês-te como nunca te viste nem pensaste ver-te. Isso, te garanto, molda-te. Molda-te até te fazer mudar. E mudas. Mudas porque mudar é a opção. Não há direita nem esquerda. Nem certo nem errado. Há apenas um caminho e metes-te nele. E no final de contas.. não é mau de todo. Lutas e lutas, cais todas as vezes que forem precisas mas levantas-te porque és mais forte que a gravidade. Dizem que por vezes quem muda muda para pior. Mas nem sempre. Eu falando por mim sei que há a possibilidade de mudar para melhor. Porque acaba por ser esse o objetivo da mudança, certo? Haver uma evolução. E uma evolução implica lições aprendidas, erros nunca mais repetidos, atitudes diferentes, pensamentos diferentes, etc etc. Nessa etapa sim, acho que há o certo e o errado. Porque tem que haver. Então olhas a tua vida e a dos outros com outros olhos. Olhos de quem já sofreu e sabe a dor que isso dá. Olhos de quem não quer mais as mesmas atitudes do passado. Sentes saudades do passado mas agora sabes que não é lá que tens que estar. Porque a vida continua. No entanto esse passado torna-se na tua nostalgia do presente. Talvez seja isso que te faça mudar. Mudar as tuas atitudes e no fundo a tua maneira de ser. Deixas de ser quem eras e passas a ser quem és. Tomas noção de que o que vai já não volta pois o caminho é só de ida. Tomas noção que todo e qualquer momento só ocorre uma vez e que por isso tens que dar valor no exato instante. Tomas noção de que no geral a vida é feita de momentos. Esqueces os deja-vu's. Tu estás aqui agora e agora aqui já sabes que tens que ter noção disso. Começas a dar valor a tudo e mais alguma coisa, por mais pequeno que seja. A todas as atitudes. Tudo ganha um novo significado. Mesmo que a maior parte das vezes não o mostres ao mundo, tu dás valor e estás de consciência leve porque sabes que sempre fizeste o que estava ao teu alcance. É como se te tornasses uma pessoa mais carinhosa e ao mesmo tempo mais fria. Deixa de ser "8 ou 80" e passa a ser "8 e 80", numa tentativa de te protegeres sempre. Acho que é isso que faz quando alguém se vai embora. Nunca pensas na falta que alguém faz a não ser quando afinal amanhã já não a vais ver, nem depois de amanhã, nem na próxima semana, nem no próximo mês, nem no próximo ano, nem mesmo nos próximos 20 anos. Nunca pensas na falta que alguém faz na tua vida e nas coisas boas que ela te trouxe até ao momento em que percebes que nunca mais a vais ver. Que nunca mais se vão ver nem a 5 cm de distância nem a 10 metros. Que não vão nunca mais falar. Que não vão mais passar momentos juntos. Que simplesmente vai deixar de existir. O problema é que nós nunca pensamos que podemos perder alguém. É sempre tudo nosso e temos sempre tudo sob-controlo até deixarmos de ter. Faz sentido.

Desde pequeninos que nos ensinam a amar o que temos. Ora, nem metade das pessoas o faz. Nem metade das pessoas percebe quando está na altura de crescer. Só nos apercebemos que temos de crescer quando já é mais que altura de sermos grandes. Só que aí já é tarde demais para muita coisa. Só aí é que percebemos que afinal aqueles anos todos devíamos ter dado valor a tudo o que tínhamos. Acabamos por perceber que andávamos a deitar tudo fora sem sequer dar uma olhadela ao que ia fora. E é triste. É triste perceber que tão tarde é que damos valor ao que devíamos ter dado tão cedo. Acaba por ser natural do ser humano não dar valor enquanto pode, porque não temos perfeita noção do que é "deixar de existir", mas não o vejo como uma desculpa para o que quer que seja, pois só depende de nós.
Por causa de tudo isto, chegas a ser a pessoa que és agora. Com novos valores, novas ideias, alguém em termos, que se preocupa, que sabe receber mas também dar, que sabe amar e perdoar, que sabe a altura de dar novas oportunidades, que sabe que às vezes é preciso mão dura para controlar certas coisas e ensinar quem ainda não sabe o suficiente sobre algumas coisas que tu ja sabes, enfim.. o que é certo é que há coisas que não voltam. Quer se reze aos 4 ventos, a Deus ou a quem quer que seja. Sabes agora que por mais dias, meses ou anos que passem, é algo que te marca para a vida. Impossível esquecer. E acabas por te lembrar todos os dias. Acaba por fazer o teu dia-a-dia porque quando pensas sequer por 1 segundo que estás prestes a magoar alguém ou tratar alguém menos bem, no instante a seguir um arrependimento vem-te à pele quase que subitamente. Um arrependimento, uma mágoa, um peso na consciência, como uma voz da razão que te impele a mudar a atitude que estavas prestes a tomar..
Contudo, o inevitável é inevitável e só está ao alcance de cada um enquanto ainda não foi inevitável. Já contam seis, Mariana.





Redigido por: SusanaCMMelo