domingo, 25 de janeiro de 2015

Amor-Ódio



Há uns minutos que comecei a sentir que estava a sair do escuro, calmamente e silenciosamente. Pouco a pouco, do escuro passei para o menos escuro e comecei a ganhar de novo todos os sentidos que até agora é como se tivessem estado desligados. Olhos fechados, respiração calma e acertada, batimentos lentos, senti o ar a entrar-me pelas narinas e a chegar aos pulmões, senti o corpo mole, senti o calor próximo de mim. Ainda de olhos fechados inspirei o máximo que pude, aguentei o ar durante três segundos e expeli-o. Senti uma respiração quente perto de mim mas não me mexi. Neste momento já estava tudo claro, tão claro que consegui sentir uma certa angelicalidade. Abri lentamente os olhos. Comecei a apreciar o silêncio, a calma, o bem-estar e percebi que há muito tempo que não me sentia assim. Senti os olhos começarem a fechar-se novamente quando de repente senti o calor de uma mão a percorrer-me o braço. A mão parou no ombro. Do ombro foi até ao pescoço, à orelha e acariciou-me o cabelo. Voltou a descer, e agarrou-me na cintura, até que senti não a mão mas todo o braço a envolver-me e a puxar-me. Senti-me protegida. E senti também uma espécie de luta interior a decorrer em mim. Há uma parte de mim que ama estar aqui, que ama esta calma, esta serenidade, esta segurança. Enquanto há outra que dá qualquer coisa por se levantar daqui o mais rápido possível e correr. Correr porta fora, para bem longe. Neste momento é algo que faria o maior sentido e mesmo que não fizesse, eu dava-lhe esse sentido de coração e alma. Tudo porque é mais fácil dar o coração e a alma a uma certeza que não nos arrancará as tripas e nos fará em cacos do que uma incerteza que nos arranca essas mesmas tripas e nos faz em cacos. A incerteza do que virá, do que será. Mais do que a incerteza é sem sombra de dúvidas o medo. Está em mim combater o medo e desde sempre me foi imposto que tinha que o enfrentar e empunho a espada e o escudo para tudo o que seja preciso, tudo excepto isto. Não está na nossa condição de humanos sabermos lidar com isto, mas está o termos de lidar com isto. Sempre tudo tão concreto e ao mesmo tempo sem qualquer nexo. É um turbilhão de ideias neste momento. As palavras que querem sair e não têm forças. O meu bichinho interior faz questão de as prender, faz sempre. É este filho da mãe que faz com que tudo vá longe demais e não páre por onde deve parar, no suficiente, no satisfaz. Talvez porque nunca me contento com o suficiente mesmo que saiba que não dá para mais. Ou que não devia dar. Queremos tanto que dê que construímos escadas de penas para subir até lá. Odeio-me agora e sempre que me prenda por mais tempo aqui. Sei melhor do que alguma vez soube que esta calma e esta segurança são tão boas para mim agora como será o fogo amargo da discussão mais logo ou amanhã. Quero o impossível, quero o amor mas quero o ódio também. Quero o desejo e quero o desdém. Quero as flores e os vidros partidos. Quero o chocolate e o sangue. Quero a cama dele e a de outro. Como posso eu querer amar alguém que ao mesmo tempo quero odiar? Este turbilhão de pensamentos consome-me e por isso mesmo quero-me deixar dormir mas ao mesmo tempo quero amá-lo olhos nos olhos e depois disso nunca mais lhe olhar na cara. Estou em chamas mas tenho as mãos geladas e estou a tremer. Acordei no paraíso e depressa viajei para o inferno. Quem poderá aguentar isto por muito tempo? Dois anos e três meses eu tenho aguentado e neste momento não quero mais, mas ao mesmo tempo quero tanto mais. Diga-se de verdade, sempre tem sido assim. Ele olha para mim e eu para ele e sabemos os dois no meio desse olhar que queremos mais. É o fogo no meio do gelo. No meio das nossas discrepâncias e faltas de nexo entendemo-nos na perfeição. É a beleza no meio da feiura e da devastação. É o abraço apertado que vem no final da discussão e quando eu deitada me afasto. É o saber orientar diálogos e palavras mesmo quando não há novidades nem mais frases e expressões possíveis. É a capacidade de inventar um mundo de palavras e surpresas quando os nossos dicionários já se acabaram. É a capacidade de reinventar onde outros tantos prefeririam substituir. E é isso que nos distingue, certo? O querermos dar o fora mas estarmos cada vez mais dentro, independentemente do tempo. Independentemente dos berros e virar de costas, é o puxão inesperado no braço e o beijo quente que se segue. A vontade no olhar, o trincar nos lábios, o bater de coração acelerado. Os gemidos e os arranhões no meio dos lençóis. Sinto os olhos a fecharem-se novamente eis senão quando o despertador toca. Faço-o parar antes que me consuma o resto da energia que todo este ódio matinal já me levou. É assim que é suposto ser? Eu pegar em mim e na minha hipocrisia e ir embora como se nada fosse? Fingirmos os dois que nestes instantes que passaram não estivemos ocupados com explosões de pensamentos tão depressa construtivos como destrutivos? É agora que a mão dele me agarra a anca e me faz virar para ele. Os nossos olhos encontram-se e o tempo pára. Não interessa o chegar a horas aos meus compromissos, o tomar o pequeno-almoço ou a hipocrisia que ainda há bocado me assombrou. O que é que interessa mais quando dois olhares se cruzam desta forma? O que é que é amar alguém? O que é que é afinal amá-lo a ele? Não sei e deixei de querer saber. Mudei a direcção do olhar, dei-lhe um beijo na testa, levantei-me, vesti a blusa e vi o homem pelo qual rejeitei todos os outros, mesmo podendo ter todas as opções do mundo e mesmo odiando-o quase todos os dias. Vesti as calças, calcei-me. Dei um jeito no cabelo e passei o rímel. Ajeitei uma última vez a blusa e saí pela porta. Só assim, sem diálogos, sem discussões, sem beijos em chamas, sem abraços demorados, sem olhar sequer para trás. Saio com pensamentos de não voltar e saio rogando-lhe todas as pragas possíveis. Saio pensando no quão suja por vezes deixo a minha alma estar. Saio querendo que ele não exista mais na minha vida porque simplesmente é isso que me apetece agora. Mesmo o tendo no meu pensamento de cinco em cinco segundos. Saio, mas ambos sabemos que esta noite dormirei na mesma cama onde acordei.

 

 Redigido por: SusanaCMMelo